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Editora: Planeta Tangerina

Texto: Isabel Minhós Martins. Ilustrações: Madalena Matoso. Editora: Planeta Tangerina. Gosto de andar por aí. Desço as escadas a correr, salt o os degraus dois a dois e num instante entro na rua. Na rua não há tecto. Sopra o v en to. Às vezes chove, às vezes faz so l.

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Presentation Transcript


  1. Texto: Isabel Minhós Martins Ilustrações: Madalena Matoso Editora: Planeta Tangerina

  2. Gosto de andar por aí. Desço as escadas a correr, salto os degraus dois a dois e num instante entro na rua. Na rua não há tecto. Sopra o vento. Às vezes chove, às vezes faz sol. Na rua não há paredes. Há estradas, muros e lugares, mas o mundo é enorme (acho que não tem fim).

  3. Às vezes ando por aí com o meu avô. “Vamos só ali” diz ele, “não demoramos mesmo nada…”, mas eu já sei que andar por aí quer dizer a manhã toda. “E o que vão vocês fazer?”, a minha mãe a perguntar. “Nada deespecial”, dizemos nós, a porta já afechar-se, a rua toda pela frente.

  4. No Verão levo um chapéu e os joelhos vão à mostra, prontos a cair sem rede e a esfolar-se no alcatrão. No Inverno levo sempre dez camadas de agasalhos, mas ao fim de poucos metros começo a tirar as camisolas. “Que exageradas são as mães”, o meu avô encolhendo os ombros, sem sequer olhar para trás. Nunca vira o pescoço, nunca espera por mim, nunca me dá grande atenção. Já sei que é assim, e assim é que é bom.

  5. O meu avô vai andando e eu acompanho-o. Dou passos grandes, passos pequeninos, arrasto os pés pelo chão, dou dez voltas ao sinal proibido, conto os pinos do passeio e, quando chego ao 23, digo, contente: “Já são mais do que os meninos da minha sala!”.

  6. Também vejo o meu reflexo nas montras, tento enganar a minha sombra, piso folhas, leio letras, faço equilibrismos impossíveis na beirinha dos passeios. “Cuidado não torças um pé”, avisa o meu avô. (Diz que tem um olho na parte de trás da cabeça e eu já quase que acredito.)

  7. Paramos muitas vezes, quando vou com o meu avô. “Como vai a sua senhora, como vai este e aquele…” E enquanto o meu avô conversa, as aventuras continuam. Trepo a um monte de areia (e trago outro monte nos sapatos). Salto poças e às vezes falho (“já viste o estado em que vens?”).

  8. Procuro paus e, de entre todos, escolho o mais afiado para fazer um risco no chão. Divido assim o mundo. Desenho um caracol, um círculo para me prender. E depois vou traçando no chão um rasto, à minha passagem, para que me possam encontrar, em caso de me perder. (Já vi isto numa história… é capaz de resultar).

  9. Mas sempre a voz da minha mãe: “Cá em casa não entram paus… Mas na rua também não entram mães (quando vou com o meu avô). Por isso nunca largo este pau. Esta espada, esta bandeira, este remo de jangada. Remo, remo por aí. E, às vezes já estou longe daqui, quando oiço o meu avô.

  10. Tem um assobio que se ouve duas ruas acima da minha: “Mas o miúdo é algum cão?” (as vizinhas escandalizadas). Mas eu não me importo nada de ser assim assobiado.

  11. Há dias em que me apetece caminhar devagarinho, a ver tudo, distraído. Uma minhoca a trepar um muro, aflita… (dou-lhe uma ajuda para chegar mais depressa a casa).

  12. Uma pedra afiada que julgo ser do tempo da Pré-história. Um muro rugoso, por ondea minha mão passeia. Ou um cão que salta, de repente, atrás da grade de um portão. (E eu salto logo também… Por esta é que eu não esperava!).

  13. O meu avô tem sempre tempo e ter tempo é muito bom. Tempo para contar buracos na calçada. Para só pisar as pedras brancas. Para me esconder numa esquina e dar oportunidade ao meu avô de fingir que apanhou um susto.

  14. “Ai que susto!” diz ele. E finge tão bem que eu até fico com medo de lhe fazer mal ao coração. Sempre a voz da minha mãe: “Tu dás cabo do teu avô!” Mas não é verdade.

  15. A verdade é que, por ir sempre à frente, o meu avô nem sonha o que eu passo lá atrás… Porque acontece ter de me agarrar a cordas para me salvar, ter de atravessar pontes prestes a cair, ter de me esconder de um tigre esfomeado…

  16. “Só me salvo se aparecer agora um carro preto ao fundo da rua”, digo eu com toda a coragem do universo. Às vezes salvo-me, às vezes não. Para ganhar novas vidas tenho de saltar ao pé coxinho 34 vezes sem pôr o pé no chão. Se me engano, duplica o castigo.

  17. Os meus vizinhos de cima É que ainda não perceberam bem A piada que é andar por aí. Se os chamo, dizem: Que está a dar desenhos animados… Que é quase hora do lanche… Que é quase hora do jantar… Que está muito vento… Ou que vem lá chuva… Ou que este sol faz mal à cabeça…

  18. Ontem escrevi-lhes uma mensagem com uma pedra vermelha no alcatrão, enquanto o meu avô lia o jornal na fila dos correios. Pensei que eles não tinham percebido, mas ao fim de meia hora vi-os finalmente descer. Tropeçaram cinco vezes (eu contei) porque os pés, coitados, já quase não sabiam andar. Mas ao fim de pouco tempo já a rua era toda nossa.

  19. Jogámos às escondidas, andámos por aí, enquanto o meu avô fazia as palavras cruzadas e falava ao telemóvel. Depois assobiou e viemos a correr como cães. “Está na hora do almoço”, disse ele com cara de zangado, “que vadios que vocês são…”. Mas quando voltámos para casa, ouvi-o dizer à minha mãe que tinha sido uma bela manhã.

  20. Pois eu também gostei muito. E espero que os meus vizinhos passem a andar comigo por aí mais vezes, faça chuva ou faça sol. Porque andar por aí é bom. (Até já ouvi o meu avô dizer isso à minha mãe).

  21. FIM

  22. Andar por aí Texto de Isabel Minhós Martins Ilustrações de Madalena Matoso Trabalho realizado por Carlos Samina Bibliotecas Escolares do AVE de Palmela Ano Lectivo 2010/2011

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